

Salvo algumas poucas exceções, nunca tive muita paciência com a leitura de biografias. Nestes últimos meses, porém, me vi encantado com três obras que, embora não sejam propriamente “biográficas”, partem do relato de passagens da vida de seus autores para refletir acerca disso a que chamamos “vida”: o que dá a uma vida algo como sentido, brilho, beleza, dignidade? O que faz essa miríade de momentos pelos quais passamos transformar-se em algo como “uma vida”, e dessa “uma” vida chegar à “nossa” vida? São estas as três obras a que me refiro: os seis volumes de “Minha luta” (2009-2011), de Karl Ove Knausgard, “Fala, memória” (1947-1951), de Vladimir Nabokov, e “Origem” (1975-1982), de Thomas Bernhard. Um norueguês, um russo, um austríaco – três autores que têm me feito refletir muito sobre o que é isso que estamos vivendo aqui neste terceiro planeta do sistema solar.
Vida (ou ao menos seu relato): essa estranha mistura de lembranças, reminiscências, passagens, fragmentos… um amontoado quase infinito de pequenas (às vezes não tão pequenas) vivências. Algumas vivências grandiosas, a maioria banais ou pueris. Percebemos, porém – à medida que amadurecemos –, a grandiosidade disso que pensamos ser banal ou pueril (bem como a banalidade do grandioso).
Knausgard, Nabokov e Bernhard não nos convidam a sermos voyeurs de suas biografias, nem a testemunhar a cronologia de “fatos”; antes, nos convidam a perceber a passagem do tempo. Um tempo que não é quantidade, mas qualidade, potência.
Nabokov começa assim seu livro: “O berço balança sobre um abismo e o senso comum nos diz que a existência não é mais que uma breve fenda de luz entre duas eternidades de escuridão. Embora as duas sejam gêmeas idênticas, o ser humano, como regra, vê o abismo pré-natal com mais calma do que aquele para o qual se dirige (a cerca de quatro mil e quinhentas batidas de coração por hora)”.
Já Knausgard inicia o primeiro volume de sua série com “Para o coração a vida é simples: ele bate enquanto puder. E então para. Cedo ou tarde, mais dia, menos dia, cessa aquele movimento repetitivo e involuntário”.
E Bernhard começa citando uma frase de Voltaire: “Ninguém encontrou nem jamais vai encontrar”.
Pois não se trata de “encontrar”: trata-se de saber como perder(-se).
Alberto Heller