Espelhos são coisas fascinantes: fábricas infinitas e incansáveis de imagens. Digo ‘coisas’ para não dizer objetos – espelhos são por demais vivos para pertencerem ao pretenso grupo dos inanimados. E ao mesmo tempo são frios, gelados. Paradoxo desconcertante. Difícil passar por um sem parar para olhá-lo. Olhar-nos. [Olhamos o espelho ou a nós mesmos quando estamos frente a um?]
Muitos o tomam como verdade (“Você já se olhou no espelho hoje?”). Sim, já olhei – e não gostei. Na verdade (a “verdade”, de novo), tendo a desconfiar dos espelhos; a mesma desconfiança que tenho das balanças: estarão bem regulados? Afinal, tem aqueles espelhos engraçados que deformam a imagem (nos parques de diversão de antigamente sempre tinha, era o máximo!): nos deixam ora altos ora baixos, ora obesos ora raquíticos. Ou seja, desconfio não exatamente dos espelhos, mas da mão humana que os construiu. Por isso, dou sempre um desconto (a meu favor, claro). A realidade precisa ser ajustada, nunca é exata. Ou: a verdade do real deve ser devidamente apropriada. À minha imagem e semelhança (que não é exatamente a do espelho).
A criança que se vê pelas primeiras vezes frente a um espelho: identificação com uma imagem, experiência de ver-se como sendo outro (sou outro!), curiosidade em relação a esse outro. Vejo, logo sou – por isso preciso estar constantemente consultando reflexos para saber quem-como estou sendo. A angústia da visão, o olhar que nunca para de interrogar.
Também nas fotos: esse não sou eu; eu não sou assim; desse ângulo fiquei estranho. Por isso cert@s modelos insistem em serem fotografad@s em perspectivas bem precisas: pelo lado direito, ligeiramente de cima, 45 graus, enquanto a cabeça se inclina numa direção também cuidadosamente estudada. Ali (e apenas ali) revela-se a verdade de seu ser. A verdade bela. As outras – feias – estão inevitavelmente erradas.
No mundo pós-internet passamos a desconfiar de tudo: das notícias, dos jornais, da televisão. Descobrimos que não há neutralidade nem objetividade: as pessoas compartilham notícias e nunca sabemos se aquilo é informação ou desinformação. Na dúvida, acreditamos apenas no que queremos (e temos orgulho disso: a mim não enganam!). Se hoje a bruxa de Branca de Neve perguntasse ao seu espelho mágico quem é a mais bela do reino e não gostasse da resposta, jogaria fora o espelho e compraria outro. Simples assim.
Alberto Heller
1 Comentário. Deixe novo
Ainda bem que os espelhos refletem só a pele… a alma continua escondida! Ótimo texto!