Era uma sala de concertos num pequeno palácio residencial construído em 1849 – hoje uma diaconia – perto de Stuttgart, na Alemanha (um vilarejo chamado Kernen Stetten). Não me lembro se o ano era 1995 ou 1996 (sou péssimo com datas); tinham marcado meu recital de piano para um domingo final de tarde. Eis que, no meio da apresentação, começam a tocar os sinos da igreja ao lado. O som era bastante forte, fui obrigado a interromper o que estava tocando. O público e eu esperávamos pacientemente que as badaladas terminassem, mas elas pareciam não ter fim. De brincadeira, comecei a tocar ao piano as notas correspondentes e logo estava improvisando junto com os sinos. Aquele salão de mármore com cortinas de veludo vermelho, a paisagem outonal cheia de folhas amarelas e vermelhas entrando pelas janelas, os sinos que já não eram interrupção mas oportunidade de novas harmonias: subitamente o tempo parara. O momento deve ter durado apenas um ou dois minutos, mas teve sabor de eternidade.
Finda a apresentação, ninguém comentou as peças do programa, somente o improviso. Também em minha lembrança não ficou sequer vestígio do repertório ou mesmo das notas que surgiram durante a improvisação. Mas ficou a sensação, na pele e na alma, daquele silêncio palpável, adocicado.
Talvez a vida seja isso: aquilo que acontece quando saímos do script e fazemos música com os sons que estão no ar.
Alberto Heller
2 Comentários. Deixe novo
… ou o que fazemos quando somos bruscamente interrompidos na cadência dela…
… ou o que fazemos com aquilo que nos interrompe! Bjs!
Esta saída do script (das polcas) foi exatamente o que O homem célebre não conseguiu, sonhava em esvaziar o céu das estrelas e transformá-las numa constelação de partituras. Morreu infeliz. A genialidade consiste na capacidade de realizar este desejo e transformá-lo em som!