O mal-educado é aquele que não é “bem”-educado, ou seja: algo muito feio, reprovável. O sujeito mal-educado, diz-se, deveria se envergonhar – afinal, não se trata do ignorante, daquele que simplesmente não sabe algo, mas daquele que, em plena consciência de seus atos, opta por desrespeitar ou infringir regras, afrontando assim o sistema e seus semelhantes (semelhantes “pero no mucho“, já que estes olham de modo reprovador para o delinquente que ousou ser diferente e que, ao fazê-lo, os chamou indiretamente de idiotas). O que já não acontece com a pessoa educada, de fino trato e de boas maneiras: o sujeito integrado, obediente, respeitador, bom moço, que nunca dá bolas fora, nunca conta piadas sujas fora de hora, só bebe socialmente e dobra as cuecas antes de colocá-las ordenadamente na gaveta. Viva a boa educação!
Ao longo da história, igreja e exército forneceram os moldes para o desenvolvimento da educação disciplinadae disciplinadora; o corpo do soldado se transformou em algo que se fabrica: um corpo que se manipula, se modela, se treina, se torna hábil e produtivo. Um corpo que obedece, submisso (ou, como diz Foucault, um corpo dócil). Sobre ele é possível exercer coerção sem folga: o tempo é dividido e subdividido, e é preciso aproveitá-lo ao máximo; ele deve render, deve ser útil (o tempo todo). No tempo e no espaço, cada indivíduo aprende o seu lugar: a disciplina de entrar na fila, de manter a distância correta dos outros, de não levantar a voz, de obedecer a autoridade superior. No trabalho como no espaço escolar há vigilância, hierarquia, exames constantes (estude muito, sempre, eternamente!) e todo um jogo de sanções normalizadoras, recompensas e penalidades (premiar os bons, punir os maus – entre estes também os indolentes, preguiçosos, diferentes, contestadores, rebeldes etc.).
Se a segunda metade do século XX experimentou o gostinho da abertura e da libertação em relação a essas questões, o século XXI está nos surpreendendo com um inesperado retorno ao politicamente correto e aos bons costumes. O aparente excesso de liberdade individual conduziu não à plenitude do sujeito, mas à indiferença (“não estou nem aí”), e da indiferença se chegou à sujeição geral a tiranias descentralizadas e não-localizáveis – e por isso mesmo muito mais devastadoras (quanto mais fácil não é combater tiranos visíveis!).
O olhar apático de quem vai a um gigantesco supermercado: o exercício da liberdade se tornou um escolher entre infinitos produtos. Boas compras (e comportem-se!).
Alberto Heller