Fazer música em conjunto é uma experiência riquíssima – e sutilmente complexa (não é fácil harmonizar organicamente o pessoal e o coletivo). Mesmo que haja um maestro regendo – no caso de uma orquestra, por exemplo –, isso não é garantia de que todos os músicos estarão tocando com a mesma sensação de tempo; ao longo da execução de uma obra musical ocorrem milhares de ajustes finos, a percepção do intérprete passeia em ziguezague entre o que ele está tocando, o que está ouvindo e o que o regente está marcando. Inevitavelmente, há momentos nos quais ocorrem pequenos desencontros: o cello atrasa um pouco, o violino adianta um pouco, o maestro tenta manter e realinhar. Nesse momento, que faço eu ao piano? Tento impor meu próprio ritmo? Faço uma decisão rápida em relação a quem seguir?
Um pouco de tudo, nada de tudo: flutua-se. Respira-se. Sente-se. E aos poucos voltamos a fluir juntos. Algo parecido com o que o espadachim Zen chama de “atenção difusa”: num duelo, se o esgrimista se concentra num único ponto, corre o risco de perder a intuição do todo e ser assim atingido pelo adversário. O excesso de concentração é tão prejudicial quanto sua falta (Leminski: distraídos venceremos).
Se durante uma apresentação um dos músicos erra ou tem problemas, os outros se adequam e, juntos, voltam à música. Não faria sentido interromper a apresentação para anunciar em voz alta “estamos parando a música por causa daquele cretino ali na clarineta, a culpa é dele, não nossa, nós estávamos fazendo corretamente nossa parte”. Não se trata “dele” nem de “nós”, também não se trata de atribuir méritos e deméritos: trata-se de música, de arte. E a arte, sabemos, exige desapego.
(Quem sabe essa prática não possa ser levada também à esfera política?)
Alberto Heller
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O resultado final desse esforço individual/coletivo fica cada vez melhor quando não existem estrelismos e quando se aperfeiçoa a dupla racional/ emocional. Que delírio imaginar como isso ajudaria nas relações humanas e na sociedade.