O que é que mais se compartilha nos grupos de WhatsApp e nas mensagens virtuais privadas? Os assim chamados nudes(categoria na qual podemos incluir não apenas corpos nus, mas desde as piadas picantes até a pornografia explícita) e as orações (incluindo bênçãos, santinhos, rezas, correntes e mensagens de autoajuda). Ou seja: sexo e religião. Combinação curiosa. Pergunto-me se esses dois universos mantêm entre si algum tipo especial de parentesco ou similitude – algo os une, certamente, e nem irei recorrer à psicanálise para tentar compreender o fenômeno (por mais tentador que seja). O fato é que os campeões de compartilhamentos são fé (ou falta de fé) e sacanagem (ou falta de sacanagem).
Aliás, essa palavra (sacanagem) me fez lembrar do período em que estudei Letras na UFPR, séculos atrás; certo dia, o professor de latim (Geraldo Matos, uma sumidade em línguas – do esperanto ao tupi-guarani –, autor de dicionários e gramáticas) anunciou uma prova surpresa, o que levou um aluno indignado (não eu, dessa vez) a dizer que aquilo era sacanagem. O professor Matos explicou-lhe então que o significado dessa palavra era, originalmente, o ato de um homem masturbar outro homem. Meu colega concordou que isso era realmente uma sacanagem, mas não tanto quanto aplicar uma prova não anunciada. Em outra ocasião, esse mesmo professor (uma lenda) respondeu a uma aluna de nossa sala que lhe desejou boa noite: “Nunca diga boa noite a um homem, a não ser que esteja disposta a colaborar para que isso se torne realidade”. Por alguma razão, a turma foi ficando cada vez mais calada em suas aulas.
Mas voltando à sacanagem (que não é propriamente sacanagem, embora também possa ocasionalmente sê-lo) e sua misteriosa ligação com o mundo divino. O Tantra, por exemplo, explorou a fundo (não maliciem) essa questão, ao passo que as neurociências vêm tentando mostrar que um momento místico de iluminação durante uma meditação profunda e um orgasmo talvez provenham das mesmas fórmulas químicas e psicofísicas em nosso organismo. Na dúvida, melhor comer uma barra de chocolate (mais prático, menos perigoso e livre de expectativas).
Seja como for, quando as pessoas recebem mensagens com orações ou nudes, elas não se conformam em simplesmente olhar: não, é preciso passar adiante, é preciso compartilhar. Essa é a palavra chave! Quando eu compartilho uma dádiva dessas com você, mostro que lhe tenho confiança. Mais: que temos intimidade – tanta, que podemos até viver juntos o que temos de mais pessoal: sexualidade e espiritualidade. Agora somos cúmplices, não estamos mais sós. Você e eu fomos salvos – não pela oração nem pela tentação, mas por enviar e responder. Em meio ao oceano de dúvidas e medos, nos agarramos a essas mensagens-boias; em meio à multidão de desconhecidos, nos encontramos (mesmo que virtualmente) e assim suportamos mais um pouco essa loucura toda. Comungamos, celebramos. Obrigado por estar aí. Sim, você a quem escrevo agora, com que compartilho minhas ideias esdrúxulas. É mais ou menos como a função fática na linguagem (descrita por Roman Jakobson), cuja finalidade é prolongar uma comunicação ou verificar se um canal funciona (“Alô, está me ouvindo?”). Não precisa nem responder, apenas mandar uma carinha feliz, um polegar para cima, um rsrs ou kkkk – até uma carinha braba serve. Algo que me diga que não estou sozinho. Nunca estivemos tão sós e tão carentes (não é à toa que tantas religiões voltaram a proliferar no mundo). Orem por mim. Mas se preferirem mandar nudes, também vale.
Alberto Heller
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Lá vai o meu kkkkkkkk, o que parece ser só para alguns, vejo que não somos
únicos……
Bem vinda!
I'm sorry. Você já se perguntou se existe alguma lei universal que obrigue as pessoas a entrarem nesta seara? Usar telefone apenas para telefonar? Se eu for presa pelas minhas idéias, por favor leve meu piano lá e continue me dando aulas. Sua aluna E.T.
Usar telefone para falar com alguém?!?!? Que antiquada, Marilene kkkkk. Mas sim, também pode ser usada para conversar rs. Beijo!