Minha mãe costumava (talvez ainda costume, não sei) comprar vestidos para usar somente em ocasiões especiais; estas, porém, demoravam tanto em chegar, que os vestidos já não serviam mais. Ela então se sentava na cama e chorava, desconsolada. nnnn Hoje estive na praia; queixei-me a Iemanjá sobre 2016 ter levado meu pai e dois grandes amigos. Uma onda veio e acariciou meus pés. nnnn Vou compor uma ópera e estou à procura de uma história. Hoje foi a vez de revisitar Shakespeare; as edições sempre distinguem e separam as comédias das tragédias – isso me desnorteia. nnnn Ano passado, passeando por Las Vegas, apaixonei-me à primeira vista por uma camisa, mas não tinham do meu tamanho. Comprei mesmo assim um número menor, jurando que iria emagrecer só para poder usá-la. Engordei. nnnnIr ao cabeleireiro é uma situação sempre existencial para mim: ficar ali trinta minutos olhando para a própria cara no espelho é algo que eu jamais faria em outro contexto. É quando começamos a perceber o quão estranhos somos para nós mesmos. E a cada ida, percebo nos cabelos que caem o quanto aumenta a quantidade de fios brancos (grisalhos, diga, grisalhos). nnnn Sábio é o dicionário, cujo fim está no meio. nnnnAs pessoas (eu incluído) andam(os) violentas, impacientes, intransigentes; melhor seria se fizéssemos mais silêncio e apenas observássemos. Mas as palavras insistem, e insistem, e insistem. nnnnCom quatro anos eu tinha um coelhinho de borracha que adorava; certo dia, brincando com ele na beira do mar, veio uma onda mais forte e o levou. Durante o resto daquele verão fiquei na praia esperando que o mar o devolvesse. Não devolveu. nnnn Gosto muito de Monet, e lembro da minha emoção ao ver A Catedral de Rouen de perto; na proximidade não se vê catedral alguma, somente manchas, relevos enigmáticos de cores, montanhas e ondas de tinta que misteriosamente formam, quando vistos de longe, uma outra coisa. Fico pensando que desenho formará minha vida quando vista à distância. Por enquanto, só vejo borrões. nnnn Enquanto escrevo, acabo de matar um pernilongo. Um tapa forte e bem dado, tanto que uma de suas pernas veio parar entre as teclas do computador. E eu querendo falar de poesia… nnnn O título mais lindo que já vi num livro é do meu conterrâneo Júlio Cortázar: “Viagem ao redor do dia em oitenta mundos”. Ainda não li. nnnn O incenso que acendi mistura-se ao cheiro da fumaça de queimada (folhas?) vindo da vizinhança e que entra pela janela entreaberta do meu escritório. A mistura de odores não deixa de ser interessante. Mas calei o rádio de um carro (cujo som também estava entrando pela janela, junto com a fumaça) colocando o Adágio da Nona Sinfonia de Mahler no fone de ouvido. Meu amor pela humanidade tem limites.
Alberto Heller
2 Comentários. Deixe novo
Todas essas vivências formam o lAbirintH com momentos flutuando no ar noturno, com as Passagens, com outono nos olhos, com a realidade ah, a realidade. Mas é justo nesses devaneios que se chega ao ponto esperado. E se buscar idéias em Monteverdi? Já que é pra viajar volta a 1567 e joga rock encima!
Boa ideia!!!!