A noção de cultura é provavelmente uma das mais complexas e abrangentes do nosso vocabulário: difícil imaginar qualquer atividade que não esteja nela e por ela moldada, orientada, influenciada. Desde a forma como se organizam sociedades, religiões e costumes até a forma como falamos, andamos e comemos – tudo é perpassado pela cultura. Nossa civilização, nossa humanidade.
Entre os significados originais do termo cultura temos “lavoura” e “cultivo agrícola”, passando mais tarde a designar também, por analogia, o cultivo da mente (curiosamente, tendemos hoje a chamar de “cultos” não os que lavram a terra, mas os habitantes urbanos…).
A raiz latina de cultura é colere, que pode significar desde cultivar e habitar até adorar e proteger. O ‘habitar’ evoluiu do latim colonus para o contemporâneo “colonialismo” (sim, a palavra mantém afinidades desconfortáveis com ocupação e invasão). Aculturar é também uma forma de colonizar: somos colonizados desde antes de nascer (o nome que nos dão, as projeções familiares – “ele será médico” –, a cor do quarto do bebê); somos colonizados ao longo da infância e da juventude (pela escola, pela sociedade, pela religião, a moral, os costumes), somos colonizados ao longo da vida adulta (pela faculdade, pelo trabalho).
Mas, curiosamente, a mesma cultura que nos mergulha no sono das obrigações e da rotina também nos possibilita abrir os olhos e enxergar que nos encontrávamos em obrigação e rotina. Estivéssemos na Matrixdo filme dos irmãos Wachowski, a cultura seria tanto a pílula azul quanto a pílula vermelha: ao mesmo tempo o adormecer e o despertar.
E o que impede que nos tornemos meros escravos de um modus vivendi genérico e impessoal? Nada. Você pode perfeitamente passar pela vida como mero autômato (o que não chega a ser exatamente uma vida). Até o dia em que você fica de saco cheio e começa a fazer arte: pinta o sete, picha um muro, passa um trote pelo telefone, aperta uma campainha e sai correndo. Ou escreve livros, compõe canções, dança. Subverte a ordem das coisas. A chata e insossa ordem das coisas.
Alberto Heller
5 Comentários. Deixe novo
Muito bom Alberto! Que a cultura do ser feliz nos impulsione a quebrar as ordens!
Quebrando tabus…
Mais um bom texto.
Obrigado querida Solange! Abraço!
Amém, querida Denise! Abraço!
Pena que nossos parlamentares não leem seu blog, pelo menos parariam de falar tanta besteira usando a palavra "cultura"! Parabéns pelo texto!