Eis que, chegando na pequena cidade alemã de Arnstadt para um concerto, na praça em frente à igreja deparo-me com a estátua de um jovem, em tamanho natural: Johann Sebastian Bach (1685-1750), que ali viveu e trabalhou entre 1703 e 1708. Olho novamente para a estátua e não consigo enxergar o grande mestre, apenas um rapaz: sentado de maneira displicente, com um leve sorriso no rosto, feliz e despreocupado. Fico chocado. E fico ainda mais chocado por estar chocado – afinal, por que não retratar Bach com a idade que tinha nesse período? Um jovem de apenas dezoito ou vinte anos, magro e sem a tradicional peruca branca.
Nesse mesmo dia consegui permissão para tocar no órgão da igreja; embora restaurado, tratava-se ainda do órgão no qual Bach tinha tocado – não o Bach da peruca branca que até então povoara minha imaginação, mas aquele rapazola estranho da estátua. O João, aquele carinha que toca na igreja e compõe umas coisinhas, sabe quem? Esse mesmo, o Joãozinho. Aquele que ainda não sabe que se tornará o maior nome da música clássica, aquele que será o pai de todos; que gerará vinte filhos, entre os quais dois dos mais famosos músicos de sua época, Carl Philipp Emanuel e Johann Christian; aquele que escreverá a Paixão segundo São Mateus e a Paixão segundo São João, a Missa em si menor, o Cravo bem Temperado, os Concertos de Brandenburgo, a Arte da Fuga e outras centenas de obras absolutamente geniais e maravilhosas. Não, ele ainda não sabe. A cidade ainda não sabe. Quem o ouve tocar na missa dos domingos também ainda não sabe (embora se impressione com esse grande organista). Finda a missa, ele sai da igreja e se senta na praça por alguns instantes, apreciando o sol tímido de inverno: a vida ainda é uma incógnita. Sorri.
Alberto Heller