O momento que antecede a entrada do artista no palco: atrás da cortina, de pé, aguardando o sinal para entrar. Prontidão que se arrasta, à espera do tempo tornar-se agora – pois o momento em que se encontra não é o agora, é o antes do agora (um agora que não chega nunca). Na verdade, o momento da entrada parece recuar, cada vez mais longe: distância impossível.
A espera atrás da cortina é o prenúncio de um ato que não se completa, a rememoração do que talvez não tenha sido, a antecipação do que talvez não venha a ser. A única realidade palpável é a roupa, que agora aperta (antes não apertava), a temperatura (que ao mesmo tempo gela e faz suar), a sensação crescente de peso na região do estômago e a penumbra avermelhada atrás da pesada cortina de veludo. Não, não é nervosismo: é apenas o corpo brigando com o tempo – esse senhor que se ri dos relógios e tinge de branco os cabelos distraídos. Ainda ontem eu tinha quinze anos e estava nesse mesmo não-lugar, nesse mesmo não-tempo. Todos os meus não-mais-eus e meus ainda-não-eus ali se encontram, mas não se reconhecem: estranhamento embaraçoso. É o lugar errado, o lugar onde não deveríamos ter entrado e do qual não conseguimos sair.
Através da cortina ouve-se vozes indistintas da plateia, que aos poucos se enche. Vozes de bocas e ouvidos impossíveis, pois a música que estou prestes a tocar (se é que tocarei) não é para eles (ou é?). Não lembro mais. Esforço-me por tentar entender, mas o ar estagnado atrás da cortina dificulta todo pensamento. Ar rarefeito, provoca certa sonolência. Esqueci o porquê de eu estar ali, e não localizo esse “aí”; caminho mas não o alcanço.
Houve um tempo em que havia tempo e esse tempo tinha tempo: deixava existir como quem deixa a água ferver para o chá. Mas o tempo acabou. E a cortina não se abre.
Alberto Heller
2 Comentários. Deixe novo
Sempre poético…
Descrever um instante é um dom…
Parabéns!
Excelente texto! Poético sem dúvida. Há filósofos que acreditam que o objetivo maior da Fenomenologia, 'salvar os fenômenos', somente se concretiza na poesia. Parabéns!