A volta é sempre mais difícil que a ida.
Porque na ida sabemos que estamos rumando ao desconhecido, mas não imaginamos confrontar o desconhecido também no retorno. Principalmente no retorno (quando descobrimos: não há volta). As pessoas não são mais as mesmas pessoas; os ambientes não são mais os mesmos ambientes; nós não somos mais nós mesmos: tornamo-nos estranhos e tudo estranhamos.
Nestas últimas semanas muito se tem comentado das dificuldades do isolamento social, especialmente em relação ao inevitável impacto psíquico: como cada um reagiria à solidão, à reclusão, ao distanciamento. Certamente há dias ruins, sem dúvida… mas, em geral, a maioria tem conseguido levar bastante bem. Preocupo-me – confesso – mais com a volta à normalidade. Quando percebermos que essa normalidade não mais existe, ou pior: que nunca existiu, apenas estávamos acostumados a essa loucura a qual chamamos/chamávamos “dia-a-dia”: o hábito que tudo normaliza, tudo anestesia. E que perceberemos tratar-se de uma loucura. Quando voltarmos ao trabalho e este não mais nos realizar (realizava antes?); quando percebermos que o tempo gasto no trânsito é um absurdo; quando virarmos novamente escravos de agendas e de relógios. Éramos assim? Queríamos ser assim? Queremos voltar a isso?
O mundo estará lá. Nós estaremos lá. Mas dentro de nós algo estará diferente – profundamente diferente. Estaremos preparados para isso?
Alberto Heller
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É preciso viver um dia após o outro. Basta a cada dia o seu mal. Também me sobrevém a constatação de o quanto éramos acometidos por um cotidiano que “fervia e esparramava”. Agora é tempo de “mexer devagarinho” e caprichar nos temperos, percebendo gostos e aromas, sem pressa. Não vejo como retornar à loucura de antes. Mas, se precisar …
Alberto, tenho pensado nisso diariamente. Nem nós seremos os mesmos. Reconheceremos os outros? E nós? Nos reconheceremos? O que será igual? Estou me sentindo um soldado que vai para a guerra e não sabe o que encontrará quando voltar. Só espero que a volta represente um recomeço para melhor , porque sou otimista. Parabéns pelo texto, sempre uma reflexão apropriada para o momento.
Confesso que só após ler o texto percebi o quanto será difícil retornar à agenda que eu estava mantendo. Trazemos essa ideia de que tudo voltará ao normal, mas… nem tanto.