Já se haviam passado cem dias desde o início da epidemia. Conscienciosa, M. praticamente não saía de casa (era responsável por cuidar de pessoas idosas que viviam com ela e pelas quais era responsável). Não saía nem sequer para ir ao mercado. Até semana passada, quando viu na internet uma série de obras de um artista de sua cidade, que estavam sendo por ele vendidas. Apaixonou-se à primeira vista por um dos quadros. Não teve dúvida: saiu de casa, foi até a casa do artista e adquiriu a obra.
Nos mostrou o quadro ontem durante uma conversa virtual. Nele, pessoas caminham por uma rua num dia cinzento de chuva, e em meio ao tempo sombrio sombrinhas coloridas se destacam lindamente. Ela irradiava felicidade ao segurar o quadro.
Alguém poderia talvez tê-la criticado por ter se arriscado a sair de casa justamente por algo que não era de primeira necessidade. Mas, para ela, era (ou veio a ser). Aquele quadro a tocara, e agora M. poderia tocá-lo com o olhar (e mesmo com as mãos) sempre que quisesse. A arte alimentou sua alma, acarinhou seu espírito, trouxe alegria ao seu coração.
Também o artista ficou feliz. E nós (que fomos brindados com a imagem do quadro e com a alegria de M.). E quem agora for à sua casa.
Porque a arte nos transforma. E uma vez transformados, somos presenças coloridas em meio a um mundo que tem se tornado cada vez mais cinzento.
Alberto Heller
6 Comentários. Deixe novo
Obrigada Alberto pela sua delicadeza, sensibilidade e generosidade em nos presentear com palavras e música que alimentam nossa alma
Obrigado pelas palavras! Abraço!
Excelente
Obrigado caro Julio!!!
Arte é gênero de primeira necessidade… sem ela, a vida não faz sentido!!
Concordo!