Expressão que ficou na moda durante a pandemia de 2020: reinventar-se. Não por razões existenciais nem com objetivos espirituais, mas por pura necessidade (urgência, melhor dito) econômica: o trabalho de sempre diminuiu ou ficou temporariamente suspenso, mas as contas não pararam de chegar, logo… foi preciso criar novos meios de subsistência. Poderíamos ter simplesmente dito “estou duro, vou fazer pão pra vender”, mas não: gourmetizamos a pindaíba e lhe demos o sentido de um “novo projeto de vida”, uma transformação. Por que continuar sendo o mesmo e admitir adversidades ou mesmo derrotas? Melhor ser outro.
Quantas mensagens motivacionais não recebi, ilustradas com lagartas e borboletas e trazendo frases do tipo “aproveite este tempo de quarentena para sua transformação pessoal” – sem contar as inúmeras referências ao ideograma chinês para crise, constituído de ‘perigo’ + ‘oportunidade’ (e aqui a literatura de autoajuda não pareceu se importar muito com os limites entre oportunidade e oportunismo). O Covid era (ainda é, enquanto escrevo este texto) claramente um agente do destino, e seríamos idiotas totais se não víssemos no isolamento uma chance de ouro. Quem nesse período não “se transformou” é uma mistura de preguiçoso e otário. Se você continua com dificuldades econômicas, então não soube ser criativo (ficou preso a um mesmo e ultrapassado “mindset”). Ou seja: além de estar sem dinheiro no banco, sinta-se culpado. Loser!
Acredita-se hoje em dia que não somos sujeitos submissos, mas projetos livres, que se esboçam e se reinventam incessantemente. Cansei de ser quem sou ou era? Simples: crio novos perfis nas redes sociais. Com nova foto e com um fundo bem bacana. Nova conta, nova vida – pronto!, agora sou outro (aproveite para trocar de amizades!). Adeus passado velho, feliz vida nova. Simples assim.
Foi mandado embora do trabalho sem justa causa? Reinvente-se! Perdeu tudo que tinha? Reinvente-se! O vírus levou alguém da sua família e agora não consegue trabalhar porque está de luto? Reinvente-se! Esqueça o passado, livre-se desse peso incômodo que é sua história. Quem precisa de história? O que importa é o futuro: aquele ser glorioso que seremos tão logo nos reinventemos. Ah, você se reinventou mas continuou tudo a mesma merda? Não se preocupe, deve ser apenas um sinal de que está ainda preso ao velho eu: reinvente-se novamente. E de novo. E de novo (e não se esqueça de sorrir: quando chora, aparecem as olheiras). As possibilidades são ilimitadas, você pode ser quem você quiser: bombeiro, xerife, astronauta, modelo…
Alberto Heller