No mundo moderno todos nos sentimos cheios de direitos: o mundo nos deve. E se não recebemos isso que acreditamos ser nosso de direito, ressentimo-nos. Ressentimo-nos contra o estado, contra a sociedade, contra o destino, contra Deus. As redes sociais, as revistas e a TV nos mostram o tempo todo pessoas esbanjando beleza, prosperidade e felicidade; se não me sinto assim, algo está errado: todos estão felizes menos eu. No oceano de fotos e selfies, nessa perpétua propaganda de si mesmo (a necessidade incessante de ser visto, reconhecido, admirado, aceito, invejado), a comparação é contínua: não estou tão magro como deveria, não estou viajando o mundo como o resto do meu Facebook, não estou esbanjando sucesso como todos do Instagram: sou um fracasso.
Mágoa, rancor, melindre, sensação constante de estar indignado e ofendido (e a satisfação mórbida de repetir isso de novo e de novo): ressentimento. Processo circular, espiral infinita que culmina no ódio ao outro e a si mesmo, pois somos “os que falharam”, “os que não conseguiram”. Se não sou tão feliz e próspero “como todos os outros”, então faltou-me mérito e incide a culpa. Além de tudo, devo sentir-me culpado.
Mas hoje é segunda-feira, a partir de hoje tudo será diferente: estabelecerei metas, trabalharei ainda mais duro (a felicidade exige conquista, luta, trabalho; se continuo infeliz é porque preciso de mais luta, de mais trabalho); começarei uma dieta ainda mais rigorosa, estudarei mais, cobiçarei empregos que paguem mais que o atual, submeter-me-ei a ainda maiores sacrifícios (“você pode ser o que quiser”, dizem). Ou então desistirei de tudo: vou me entregar à auto-piedade, anestesiar-me em entretenimentos contínuos, entregar-me à lassidão. Tudo ou nada.
Mas não se escapa à demanda infinita do desejo nem pela escravidão e nem pelo desinteresse. Um dos fatores que pode mudar significativamente nosso modo de ser é a gratidão. Geralmente pensamos que quem é feliz torna-se grato, mas é o contrário: é a gratidão que nos torna felizes. Não se trata de sentir-se grato de vez em quando (como quando algo bom acontece, ou quando se tem um sucesso ou uma alegria eventuais): é preciso perceber que cada momento que nos é dado é um presente. Este exato momento, com todas as oportunidades que ele contém.
Claro, coisas difíceis e desagradáveis ocorrem e pelas quais não sentimos nenhuma gratidão: perdas, lutos, doenças, insucessos, tristezas… Mas nesses momentos temos a oportunidade de crescer, de aprender, de ganhar experiência, de ficarmos mais pacientes ou mais fortes ou mais sábios.
Para acessar a gratidão é necessário parar um pouquinho e perceber o mundo à nossa volta, perceber a riqueza que nos envolve: abrir uma torneira e ter água, ligar um interruptor e ter luz, inspirar e ter os pulmões cheios de oxigênio. Com gratidão, você age a partir de um senso de suficiência, e não a partir de um senso de falta. E porque temos o suficiente, é possível até compartilharmos. Eis que do ressentimento passamos à generosidade. E o mundo volta a ficar colorido.
Alberto Heller
3 Comentários. Deixe novo
Bingo! Gratissima pelo texto!
Perfeito! Parabéns pelo texto!
Até nos momentos de pesar profundo se pra ser grata! Eu mesmo sentido uma dor até física em alguns momentos estou grata pelo pai! E pela oportunidade de estar com a vozinha mesmo que nessa situacao! E Sim estar grato faz TODA a diferença!!!! Triste mas feliz, exatamente isso! Um beijao lindo! Tu sabe demais!