Durante os vários anos em que vivi na Alemanha (fazendo a faculdade de música), frequentemente as pessoas perguntavam do meu sobrenome alemão, e eu explicava que era neto de alemães que migraram para a Argentina. Invariavelmente me faziam então uma nova pergunta: antes ou depois da guerra? Levei certo tempo para entender a pergunta oculta na pergunta: queriam saber se meus avós foram judeus (que precisaram fugir antes e durante a guerra) ou nazistas (que precisaram fugir após a guerra – e quis o destino que ambos se tornassem vizinhos em terras estranhas).
Em certa ocasião, ainda na Alemanha, fui contratado para dar um concerto num evento fechado; ao chegar no local, vi que se tratava de um grupo de senhores de idade (coisa rara por lá, onde se vê muitas idosas e poucos idosos – grande parte dos homens morreu durante a guerra). Perguntei a alguém de que se tratava a reunião, e a pessoa me confidenciou bem baixinho que eram ex-oficiais e ex-combatentes. Engoli em seco e me esforcei por ser profissional: sentei-me ao piano e toquei Mozart, Chopin e Liszt. Ao término, um dos senhores se aproximou para cumprimentar-me: perguntou do meu sobrenome e, claro, se meus avós saíram da Alemanha antes ou depois da guerra; menti dizendo: depois. Ele sorriu satisfeito, me deu um tapinha amistoso nas costas e me presenteou com um vinho bem caro.
É o problema que surge quando se faz uma pergunta pressupondo apenas duas opções, limitadoras e excludentes: judeu ou nazista. Mais ou menos como nos dias de hoje no “debate político” brasileiro – que nem é debate e nem é político –, em que você logo é enquadrado como petralha ou como coxinha.
Mas vejam o caso da minha avó paterna: era de Köln, e durante suas férias na Espanha conheceu e se apaixonou pelo meu avô (cujo pai estava trabalhando na embaixada argentina em Madri). Retornando à sua cidade, comunicou à família que queria se casar com ele e ir viver na Argentina. Os pais obviamente disseram que aquilo era ridículo e a proibiram terminantemente de cometer tal loucura. Dias depois ela fugiu durante a madrugada, foi até o porto mais próximo e embarcou num navio rumo a Buenos Aires.
Já minha avó materna foi uma judia alemã (de Fulda) que fugiu para Paris; quando os alemães chegaram à França, ela precisou fugir novamente. Após certo tempo na Argentina, conheceu um polonês judeu (cujo irmão, Pavel Finder, fora o líder do partido comunista da Polônia – e sumariamente fuzilado pela Gestapo): se apaixonaram e se casaram.
Entre o amor e a morte há muitas opções. Resta-nos fazer as perguntas certas.
Alberto Heller
3 Comentários. Deixe novo
sim…qual a resposta? Petralha? ou coxinha?….Nem um nem outro. Brasileira indignada com a corrupção endêmica que se descobriu pelo trabalho da PF, MPF, juízes jovens de cabeças arejadas buscando Justiça.
Em dia de jogo e em epoca de guerra temos que estar em um dos lados. E a dialética impulsionando a história. Belo relato, Heller.
Bela comparação! Por isso, em tempo de Lula e Moro, não faço perguntas, com medo das respostas!!