Como é linda a Fantasia Op.17 de Schumann… isto é: a primeira e a terceira partes; a segunda me incomoda, com aquele ritmo chato e obsessivo. Não fosse esse segundo movimento, certamente a tocaria. Ocorre-me o mesmo com os concertos de Chopin (embora nestes seja sempre o terceiro movimento o que me dá preguiça). Uma preguiça infinita. Das suítes de Bach, adoraria tocar apenas as introduções, as allemandes e as sarabandes… sem aquelas courantes chatas e as gigas neuróticas. Mas como não tocar as Suítes por inteiro? Bach não me perdoaria (ou eu não me perdoaria? Ou a opinião alheia?)… Seria como tentar amar as pessoas somente por partes… (talvez já façamos isso, apenas não percebamos)
De adolescente eu gravava fitas cassete apenas com as músicas que me agradavam nos discos. Hoje temos as Playlists… Filtramos o mundo através do nosso gosto: o que eu gosto, fica, o que eu não gosto, sai. Quem dá likes no Facebook, fica, quem discute ou enche o saco, é retirado. Bloqueado. Simples. E assim vamos nos rodeando do mesmo e de espelhos, o que nem por isso nos deixa mais felizes ou alegres: persiste certo mau humor, certa insatisfação irritadiça… Esse ainda não é O MEU mundo: ainda há nele demasiadas coisas que me incomodam, que me tolhem, que me castram. Há pessoas chatas, trabalhos chatos, boletos infinitos, propagandas infinitas… (tudo quer se me vender, e eu mesmo faço-me desejável-vendável-comprável a cada foto, a cada postagem, a cada interação com o mundo – mundo esse que agora há pouco eu desprezava… por que então quero satisfazê-lo? Por que espero que ele me satisfaça?)
Não me comprazo com o mundo, e o mundo não está nem aí se me comprazo com ele ou não. Daí a futilidade e inutilidade do meu comprazer…
Volto ao piano e, para consolar-me, toco o último movimento da Fantasia de Schumann. Apenas o último. E enquanto aqueles doces arpejos em pianíssimo flutuam no ar à minha volta, fantasio em um dia (voltar a) ser inteiro.
Alberto Heller