Querido amigo, outro dia você me censurou dizendo que eu deveria me engajar mais nas causas relativas ao nosso campo profissional, ser mais participativo, estar nas reuniões e nas decisões importantes, unir-me aos diversos grupos e ajudar nas tantas lutas por tantas ideias. Você frisou o quão importante é tudo isso – de nos unirmos, de sermos coesos, de trabalharmos juntos pelo progresso e por melhorias. Entendo suas colocações: são justas e corretas. E mesmo assim, continuarei ausente. Explico-me.
Não se trata de preguiça nem de egoísmo, tem antes a ver com minha natureza: tendo à anarquia, ao caos, à pulsão de morte; talvez eu seja um pouco o coringa do baralho, talvez um tanto dionisíaco – embora, nos dias de hoje, também Dionísio tenha contas a pagar (afinal, ele precisa de lugar para morar, precisa de luz, água, telefone, internet…) e por isso trabalha e tenta adaptar-se, tanto quanto possível, a essa sociedade insana e estranha. Não significa que a aprecie nem que concorde com suas regras; atua nela apenas na medida do estritamente necessário.
A verdade é que não tolero grupos, sejam eles religiosos, políticos, sociais, profissionais ou de qualquer outro tipo. Ponha-me numa reunião de grupo e em questão de minutos estarei fazendo desenhos, escrevendo poemas e pensando num jeito de sumir dali. Não sou antissocial, mas prefiro viver o social em doses homeopáticas. Não tenho orgulho disso, acredite! Mas também não tenho vergonha (já tive – mas a idade e vários anos de terapia me fizeram vir a conhecer-me e aceitar-me do jeito que sou). Muitas vezes tentei domesticar meus impulsos e conviver com grupos; mas a essência acaba aparecendo e transbordando: não me adapto, torno-me incômodo-incomodado.
Não me entenda mal quando digo que desprezo os grupos: eu desprezo os grupos, não as pessoas que fazem parte deles (pelas pessoas, sinto carinho). Desprezo o elemento formador, estrutural, esse movimento-Lei que passa a reger o modo de orientação de cada um dentro dessas máquinas chamadas “grupos”. Não me agrada isso, não me submeto a isso. O que não faz de mim um perverso nem um sociopata, não saio por aí dinamitando grupos nem pregando a destruição dos mesmos. Apenas caio fora. Porque essas estruturas me sufocam, me prendem, me causam claustrofobia. Convide-me para fazer uma atividade com seu grupo, irei com prazer; mas se me convidar a fazer parte dele, fugirei.
Também não me encaixo no clichê do “artista solitário e recluso”; sendo um artista, lido diariamente com criação, mas não sou criativo por escolha, desejo, talento ou dom, e sim por certa inabilidade, certa incapacidade em me ater a regras e preceitos. Não consigo sequer cozinhar seguindo uma receita à risca – mal começo, já estou mudando e inventando… Não o faço por vaidade ou por orgulho, trata-se de dificuldade mesmo. Essa “deficiência” não é um juízo de valor: não é um mais, não é um menos, apenas uma outra forma de operar.
Talvez você tenda ao proselitismo por acreditar tanto no seu caminho. Eu não: se me perguntassem, sugeriria veementemente que fossem por qualquer caminho menos pelo meu. Até porque o meu não é um caminho, é um descaminho. Eu não quero um mundo como eu – e também não quero um mundo como você. Que bom que existimos nós dois, e que existem outros. E que bom que não há unanimidade, nunca. Que possamos sempre nos respeitar e coexistir na diferença, abrindo mão de nos colonizar uns aos outros.
Mesmo longe, estou por perto. Mesmo ausente, estou aqui.
Alberto Heller
2 Comentários. Deixe novo
E viva as diferenças! E os únicos! E os iguais! E, por fim, todos nós e cada um! Que delicia de texto! Parabéns! Se todos e cada um pudesse simplesmente existir e respeitar a si e ao próximo, teríamos um mundo muito melhor! Abraços 🤗!
Abraço Valéria!!!!!!