Ao longo de seus vários livros, John Cage (1912-1992) foi publicando trechos de um diário que ele intitulou “Como melhorar o mundo (você só tornará as coisas piores)”. Trata-se de uma série de mosaicos e colagens de ideias, frases, lembranças, anedotas; uma mistura de pensamentos profundos e poéticos com passagens quase aleatórias ou nonsense. É uma leitura deliciosa! Cito alguns trechos dos diários de 1965 a 1972 (Incluídos nos livros “De segunda a uma ano” e “M”):
“A arte obscureceu a diferença entre arte e vida; deixemos agora a vida obscurecer a diferença entre vida e arte”. / “Indo em diferentes direções, a gente consegue, em vez de separação, um sentido de espaço”. / “Quando alertado para o fato de que sua mente podia mudar, sua resposta foi: ‘Como? Por quê?”. / “Os livros de que a gente precisava antigamente eram difíceis de conseguir. Agora eles saem todos em brochura. A sociedade está mudando. É difícil obter informações relevantes. Logo elas estarão por toda parte, despercebidas”. / “Estamos nos libertando do hábito que tínhamos de explicar tudo”. / “A estória que Agam contou: ‘Estou procurando uma chave que perdi por ali’; ‘Então, por que não procura onde a perdeu?’; ‘Está muito escuro lá; estou procurando aqui, onde há luz’.” / “Ramakrishna disse: Se tivessem de escolher entre ir para o céu e ouvir uma palestra sobre o céu, as pessoas escolheriam a palestra”. / Temos de deixar de supor que, só porque despachamos alguma coisa, ela deva chegar ao seu destino”. / “A possibilidade de haver conversa reside na impossibilidade de duas pessoas terem a mesma experiência, estejam ou não suas atenções dirigidas para um mesmo ponto.” / “Quando perguntaram a Gandhi o que ele pensava sobre a civilização ocidental, ele disse ‘seria bacana’.” / “Música (não composição)”. / “Não há necessidade de mover a câmera (as imagens vêm até ela)”. / “Escola: duzentas pessoas lendo o mesmo livro. Um erro óbvio. Duzentas pessoas podem ler duzentos livros.” / “Verdades sussurrantes. Procurando por algo irrelevante, descobri que não podia encontrar”. / “O que aprendemos não é o que nos ensinam nem o que estudamos. A gente não percebe que está aprendendo”. / “Circunstâncias que nos convidam a sair para fora, onde o ato de respirar é brinquedo de criança: sem paredes, nem mesmo as de vidro que, embora transparentes, matam os pássaros em pleno voo.”
Cage não quis melhorar o mundo. Mas, sem querer, o fez.
Alberto Heller